PAIK SAEON,


SUMÁRIO
 

  • 1. 17 ANOS > link ........................................................................................................................  

  • 2. COLEGAS > link ........................................................................................................................  

  • 3. TASK: — MONSTRO OU VÍTIMA? > link ........................................................................................................................  


17   anos
Trigger warnings: Violência física, sangue e ferimentos, suicídio (explícito), dependência em álcool e tabaco. Se tiver mais, me avisem.  
 
Saeon, de dezessete anos, correu pela ponte nas primeiras horas da manhã. Os tênis, gastos e com o solado prestes a soltar, raspavam no asfalto, mas ele não diminuiu o ritmo; correu com raiva, recusando-se a chorar. Meia hora antes, tinha chegado em casa depois de passar a noite com um amigo — o único que o acolhera sem fazer perguntas ao vê-lo coberto de sangue. Ao entrar, sentiu de imediato um silêncio diferente, diferente de qualquer manhã anterior. Ninguém havia acordado, não havia cheiro de café, e, mais estranho ainda, os cigarros do pai estavam largados sobre a mesa. O mesmo homem que, certa vez, espancara Saeon por tentar fumar, agora deixava o maço exposto para o filho inconsequente roubar um pouco.A cena parecia distante, como um sonho febril, mas o frio que tomava o corpo de Saeon era real, cortante. Os braços balançavam de um lado a outro, tentando rasgar o ar enquanto ele atravessava a Ponte Mapo, que, apesar de ter pouco mais de um quilômetro, agora parecia se estender infinitamente. Gritou “PAI!”, mas o rugido de um caminhão encobriu sua voz, engolindo a urgência no barulho do motor. Minutos antes, havia deixado a mochila remendada cair no chão com um baque mudo, enfiando às pressas alguns cigarros no bolso, aproveitando o descuido do pai. Ele deveria estar bêbado demais para notar. Mas o gesto perdeu o sentido quando seus olhos encontraram as contas espalhadas e um bilhete com a caligrafia conhecida: “Vão achar meu corpo na Ponte Mapo. O seguro deve deixar vocês tranquilos. Me perdoem.”O corpo, já machucado, protestava com a corrida, mas Saeon ignorava a dor. Precisava encontrar o pai, dizer que havia um jeito de conseguir dinheiro. Acelerou, convencido de que o alcançaria antes que ele reunisse coragem para pular. Na sua cabeça, não aconteceria... claro que não; o pai era um covarde, repetia para si, mesmo enquanto as pernas se recusavam a parar. Paik Jang-ho, cinquenta e um anos, segurava a barra da ponte com força, ciente de que aquela decisão era, ao mesmo tempo, a mais incerta e a mais definitiva que já tomara. Bateu na estrutura metálica como se quisesse atingir o próprio cérebro por ter apostado e gasto o que não possuía. Entre empréstimos bancários no nome da esposa e ameaças constantes de agiotas, restava-lhe apenas aquela margem estreita de escolha.A centésima (ou centésima primeira?) ameaça de morte daquele mês ainda ecoava. Os agiotas, cada vez mais ousados, enviavam fotos de sua esposa e do filho, insinuando o que fariam caso não recebessem nada. Na noite anterior, Jang-ho se flagrou ajoelhado no quarto do filho, tateando o assoalho em busca de dinheiro escondido. Percebeu o que fazia, desceu as escadas devagar e acendeu um cigarro, como se fosse o último. Na ponte, Saeon o avistou e sorriu, acreditando que chegaria a tempo. Abriu a boca para gritar outra vez, mas o pai já subia na estrutura, o corpo oscilando, tentando encontrar equilíbrio. Mas quando o chamado de “PAI!” finalmente foi ouvido, a decisão dele já havia se cristalizado.Os olhos dos dois se encontraram no instante em que a neblina se abriu, um momento que, décadas depois, ainda assombraria a memória de Saeon. Ele correu até se chocar contra a barra de proteção, a respiração falhando, os músculos tensos e o olhar fixo no pai desaparecendo nas águas. Um grito sem som percorreu suas veias até sair pelo seu rosto contorcido de terror. Depois disso, as lembranças eram fragmentadas: pessoas desconhecidas correndo de um carro parado, bombeiros e policiais chegando tarde demais, a mãe na delegacia, de pijama, em prantos.Dois dias depois, veio outra surra... dessa vez dos agiotas, furiosos por terem perdido a última chance de recuperar seu dinheiro.


colegas 
Trigger warnings: Menção a suicídio, Bullying/intimidação escolar, violência escolar, linguagem ofensiva, sangue e descrições de lesões físicas. Se tiver mais, me avisem.
 
 
Saeon os ouviu chegar no instante em que fechou o zíper da calça. Não precisou contar até três para sentir o braço de um deles em seu ombro, forçando intimidade como se fossem velhos amigos.
— Senti sua falta, amigo — a voz debochada de Su-gyeom foi recebida com um sorriso torto de Saeon, que se mexeu para afastá-lo. — Por quê? Pensei que tivesse feliz, finalmente se livrou do papai endividado.As palavras fizeram Saeon se virar para ver o trio que o atormentava fazia 3 anos: Su-gyeom, com espinhas inflamadas espalhadas no rosto cinzento; Beom-seok, de braços cruzados, bloqueando a porta com quase dois metros de altura; e Seong-je, balançando o cabo do mop na mão. A cena era tão comum quanto comer samgak-gimbap todo dia, porque não tinha dinheiro nem para ramyeon, salsicha ou kimbap.— É, eu tô feliz sim, porque teu vocabulário diminuiu. Vai dizer agora que meu pai deve pra quem? Pra puta da sua mãe? — respondeu Saeon, indo até a pia lavar as mãos.— Não, melhorou. Sua vida é mais fracassada ainda. — Su-gyeom enfiou as mãos nos bolsos e fungou como quem aproveita sentar num carro de luxo. O banheiro cheirava a mijo e produto de limpeza, mas para ele, estava ganhando um bônus no seu jogo favorito sem gastar nada. — E qual agência vai querer um filho de suicida? É um aprendizado fodido para você. Saber qual é o seu lugar…— Só assim para você ter alguma chance — Saeon devolveu, secando as mãos. A mandíbula doía de tanto apertar os dentes. Dois anos de rivalidade tentando entrar em alguma agência e se topando em audições para a YG e a morte do pai só tinha dado a eles um pretexto novo para continuar.O soco de Su-gyeom veio depois do que Saeon disse, mas ele desviou, segurando-se na pia suja. Ainda não estava inteiro; seis meses não eram nada para apagar o que viu na ponte. A noite anterior à morte do pai ele passou fora, fugindo de uma emboscada armada por Su-gyeom com gangsters para aliviar o próprio fracasso. Por isso sabia que ele ainda estava sedento para machucá-lo. O erro no soco fez Su-gyeom tropeçar para frente, e Saeon o empurrou contra os boxes.— Filho da puta! — grunhiu o outro, recuperando-se rápido, as espinhas mais inflamadas. Beom-seok descruzou os braços, aumentando a sombra que fechava a saída. Saeon fingiu correr e o gigante mordeu a isca, abaixando para agarrá-lo, e recebeu um soco no nariz. O som seco do osso que se partia vibrou nos dedos de Saeon.— Meu nariz! — Beom-seok recuou, sangue escorrendo por entre os dedos. Seong-je, que só observava, girou o mop como um bastão e mirou na cabeça de Saeon. O golpe pegou de raspão porque ele se abaixou a tempo. Sabia que o mais covarde só batia com arma. E como sempre, caiu para o lado, colidindo em Beom-seok quando Saeon fez menção de ir em sua direção, mas a sorte não viria uma terceira vez, precisava sair dali antes que eles se recuperassem.Quantas vezes já engoliu socos para não ser acusado de crimes que não cometeu? “Quem roubou o dinheiro da viagem?” O professor falava com a turma, mas todos olhavam para ele. “Se não aparecer, vou falar com o pai de vocês.” Su-gyeom, agora com a calça molhada do chão, agarrou a camisa de Saeon e o jogou contra a pia. Pelo reflexo no espelho, Saeon leu suas intenções e contra-atacou com um chute, mas teve a perna agarrada e caiu junto.— Agora você vai aprender! — gritou Su-gyeom, socando seu rosto. — Seu pai era um fracassado e você é igual! — Saeon agarrou o colarinho dele, invertendo a posição e batendo suas costas no chão.— Meu… pai… teve mais honra… — Cada palavra marcada por um soco, certeiro ou não. — … que o seu… não precisou comprar minha… aceitação…A resposta veio carregada de veneno: — Compraria com que dinheiro? — e o jogou para frente, sinalizando para os outros o pegarem.Lá fora, um aluno de óculos, apertado para mijar, espiava a confusão e reconhecia o loiro no chão. O “filho do suicida”. A memória de um dos diálogos que presenciou no passado piscou na mente: “Não viu nada estranho?” “Vi. Vi sua mãe com o zelador. Mais feliz do que com seu pai.”
A mão de Su-gyeom levantou rápido, mas Beom-seok foi quem o pegou pelo pescoço e ergueu do chão. Saeon lutava para se soltar, consciente de que nenhum professor iria ajudá-lo. Quantas vezes aquela cena já tinha se repetido? Conseguiu enfiar as mãos entre o braço e o pescoço, abrindo espaço para morder.
— Ai, desgraçado! — berrou Beom-seok.— Mas tu não serve pra nada, hyung! — Su-gyeom reclamou, acenando para Seong-je, que ergueu o mop outra vez. Viu a porta entreaberta no mesmo momento que Saeon, e os dois trocaram um olhar. Ele podia roubar o mop, mas preferiu usar a chance para sair.Do lado de fora, deu de cara com o garoto de óculos e se lembrou de quando ele o entregou como suspeito do roubo do dinheiro da viagem. A vergonha queimou o rosto do rapaz de óculos, mas: ou fazia aquilo ou virava alvo também. Saeon riu, mesmo com a bochecha latejando e as costelas reclamando.O som atrás dele o arrancou do transe e o fez correr na direção oposta.
Precisava sumir de novo, porque estava sozinho.


TASK:  — MONSTRO OU VÍTIMA?Resumo: Um flashback centralizado na injustiça que Saeon, ainda menor de idade, sofreu após a morte do pai. Saeon tenta controlar a raiva diante da impossibilidade de viver o sofrimento familiar de forma digna.Genre: rpg, slice of life, drama, psicológico, coming-of-age, estudo de personagemWord count: 520Trigger warnings: suicídio (mencionado), violência policial, agressão física, luto traumático.Ara’s note: Este é um recorte rápido e admito que não foi escrito no melhor dos espíritos, mas consegui visualizar a injustiça e a reação do Saeon à ela mais vividamente nesse flashback.ʚ⑅ɞOs olhos de Paik Saeon estavam vermelhos.— … então você sabia que o seu pai ia se matar?— Não, mas eu tinha medo — Saeon passou a mão no nariz e encarou o outro da sala, onde sua mãe derramava água com açúcar no colo, tamanha era a sua tremedeira.Ele ficou triste, abaixou o olhar e foi chamado a atenção pelo policial com uma batida agressiva na mesa.Seus olhos ficaram nublados.— Então porque você correu pra ponte se não sabia que ele ia se matar? — A insensibilidade era tanta, tão salgada na ferida que Saeon nem conseguia reclamar. As críticas vinham e se embolavam na garganta e nem água com açúcar seria capaz de derreter.A cara de Saeon fez com que o policial engolisse em seco e abaixasse os ombros.— É que… a gente precisa entender o que aconteceu…— Deixa minha mãe ir embora — Saeon pediu.— O quê?— Deixa minha mãe ir pra casa.O choro da mãe de Saeon estava alto, ela batia no peito com o copo descartável amassado. A mulher da funerária tentava controlá-la e alguns policiais nas outras mesas faziam careta. A maioria podia nem saber o que tinha acontecido com ela, mas já a julgavam.“Está chorando por um preso?” Pensou um.“Aish… odeio trabalhar em uma delegacia de bairro, não tem nem uma sala reservada para essas surtadas”, pensou outro.E tudo isso Saeon soube dizer ao olhar para eles.— Ela não pode sair agora porque você ainda é menor de idade e precisamos-— Então me deixa sair com ela — se virou de novo para ele.O policial riu, o que aquele moleque achava que era. Milhares de homens morriam todos os dias e o pai dele era especial para significar ultrapassar a lei.Saeon experimentou o desprezo naquela risada e se levantou, indo até sua mãe, que alheia achava que ele tinha sido liberado.— Ya! Garoto! — o policial esticou a mão para tentar pegá-lo e a mãe de Saeon esticou os braços para o filho, para ser pêga.Saeon se desviou de um e se apressou para segurar sua mãe.Mas assim que a pegou, foi puxado pelo cangote e levou uma pranchetada no topo da cabeça pelo mesmo policial.— Esses moleques de hoje em dia — apontou o dedo na cara de Saeon — obstruindo o trabalho de um policial.— Me solta.— Se você se comportar-— Me solta, desgraçado filho da p-Não terminou e levou um tapa do policial. Sua mãe, horrorizada, tremia ao segurar o filho e sentir o calor do tapa na bochecha dele.Os olhos de Saeon estavam arregalados, vidrados no chão e a sensação do tapa pareceu mais pesada do que todas as surras que já havia levado.Ele queria gritar, derrubar aquele homem no chão e o encher de socos, mas sabia que não podia. Sua mãe estava ali, agarrada nele como se ele fosse sumir.O policial falava, mas Saeon não ouvia. A injustiça irradiava na sua bochecha e em seu punho fechado que sua mãe tentava abrir.Algumas pessoas têm o privilégio de viver o luto de uma forma mais humana.Ele sentia inveja.


autor: ara
paik saeon é um personagem exclusivo para o rpg acropolis complex. > link